Desigualdade social no Brasil: cenário, causas e consequências

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Recentemente, dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua foram divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), trazendo uma notícia impactante sobre o cenário socioeconômico e a desigualdade social do Brasil. Em 2023, observamos uma melhoria na renda média dos brasileiros e uma redução da desigualdade tanto nos rendimentos quanto no mercado de trabalho. No entanto, os analistas alertam para a importância de se manter essa tendência sustentável, o que requer estratégias bem estruturadas baseadas em melhorias na educação e produtividade.

Neste conteúdo, entenda o cenário da desigualdade social no Brasil, suas causas e consequências, e como você pode ajudar a combatê-la. Continue a leitura!

O contexto da pandemia e os desafios sociais

A pandemia da Covid-19 intensificou a desigualdade social no Brasil, agravando condições pré-existentes e criando novos desafios para as populações em vulnerabilidade. O Brasil, como muitos outros países, enfrentou uma redução na renda da população. A desigualdade, já uma preocupação prévia, foi acentuada pelo impacto da pandemia. Os auxílios do governo desempenharam um papel crucial em evitar uma situação ainda mais alarmante. Os valores distribuídos por meio de benefícios governamentais contribuíram para reduzir a pobreza e melhorar os indicadores socioeconômicos, conforme refletido nos dados da Pnad.

Em 2022, o país ainda enfrentava os efeitos dessa crise multidimensional, que afetou gravemente a economia, a saúde pública, a educação e a segurança alimentar de acordo com o Relatório Anual da ONU Brasil 2022. A crise econômica provocada pela pandemia resultou em um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 2,9% em 2022. Contudo, essa recuperação econômica não se refletiu igualmente na renda das famílias, que continuou a encolher, enquanto a inflação disparava.

No primeiro semestre de 2022, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ultrapassou 11%, desacelerando para 5,8% ao final do ano. A inflação de alimentos e bebidas foi particularmente alta, atingindo 11,6%, o que agravou a insegurança alimentar no país. Estimativas indicam que entre 15 e 33 milhões de pessoas enfrentaram fome em 2022, com cerca de 125 milhões enfrentando algum nível de insegurança alimentar.

Embora a taxa de desemprego tenha diminuído de 11,2% no início de 2022 para 8,1% ao final do ano, a menor em sete anos, a informalidade e o desalento ainda prevaleciam. A pandemia também causou um aumento significativo nas taxas de evasão escolar, crescendo 171%.

A perspectiva dos dados: melhorias e desafios

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) do IBGE, o rendimento médio mensal da população teve um aumento de 7,2% em 2023, em comparação com o ano anterior. Além disso, a renda média mensal domiciliar per capita também cresceu 11,5%, refletindo uma melhoria no cenário econômico.

Embora esses números demonstrem um cenário positivo, é essencial analisar a composição por trás desses indicadores. Parte desse crescimento pode ser atribuído ao aumento da participação de pessoas recebendo benefícios do governo, que ajudaram a reduzir a desigualdade de renda no curto prazo. No entanto, analistas alertam que essa abordagem não é sustentável a longo prazo.

A questão da baixa produtividade continua sendo um desafio que precisa ser enfrentado para que a redução da desigualdade social no Brasil seja verdadeiramente orgânica e duradoura. Sem melhorias significativas na produtividade, a economia brasileira pode enfrentar dificuldades para sustentar os ganhos de renda e inclusão social observados em 2023. A solução para uma redução de desigualdade mais sólida e sustentável passa por investimentos em educação, infraestrutura e inovação, capazes de impulsionar a produtividade e a competitividade da economia brasileira a longo prazo.

Principais causas da desigualdade social no Brasil

Distribuição de renda

O grupo dos 1% mais ricos do Brasil tem um rendimento médio mensal 39,2 vezes maior que os 40% com os menores rendimentos, conforme dados da PNAD Contínua divulgada pelo IBGE. Em 2023, o rendimento médio mensal real domiciliar per capita dos 1% mais ricos foi de R$ 20.664, um aumento de 13,2% em relação a 2022. Já os 40% mais pobres tiveram um rendimento médio mensal de R$ 527, representando uma alta de 12,6% em comparação com o ano anterior​.

De acordo com o relatório “Survival of the Richest” da Oxfam, a concentração de riqueza é extremamente alta globalmente, com 63% da riqueza nas mãos de apenas 1% da população. Durante os anos de crise causados pela pandemia da Covid-19, os bilionários aumentaram suas fortunas de forma significativa, capturando 63% de toda a nova riqueza gerada globalmente entre dezembro de 2019 e dezembro de 2021. Enquanto isso, a população mais pobre do mundo recebeu apenas 37% dessa nova riqueza, aumentando a desigualdade social no Brasil e no mundo.

O relatório da Oxfam ainda destaca que os impostos sobre os super-ricos e grandes corporações devem ser aumentados para combater essa desigualdade social no Brasil e no mundo. A organização sugere que uma tributação progressiva sobre as grandes fortunas poderia gerar até 1,7 trilhões de dólares anualmente, recursos suficientes para retirar 2 bilhões de pessoas da pobreza, financiar planos para acabar com a fome, apoiar países pobres afetados por mudanças climáticas e garantir serviços universais de saúde e proteção social​.

Além disso, o Observatório das Desigualdades mostrou que mais de 7,5 milhões de pessoas no Brasil vivem com uma renda domiciliar per capita inferior a R$ 150 por mês. Essa realidade demonstra a gravidade da pobreza extrema no país e a necessidade urgente de políticas públicas eficazes para melhorar as condições de vida dessa parcela da população.

Acesso à educação

A taxa de analfabetismo no Brasil registrou uma queda de 0,5 ponto percentual entre 2019 e 2022, mas ainda existem 9,6 milhões de pessoas analfabetas no país. As disparidades regionais e raciais são notórias: o Nordeste abriga 55,3% dos brasileiros analfabetos com 15 anos ou mais, com uma taxa de 11,7%, enquanto a taxa entre pretos e pardos é de 8,2%, comparada a 3,3% entre brancos.

Essa desigualdade social no acesso à educação reflete-se também na conclusão do ensino médio e superior. Em 2022, 60,7% dos brancos com 25 anos ou mais completaram o ensino médio, comparado a apenas 47% dos pretos e pardos. No ensino superior, 29,2% dos jovens brancos estavam matriculados, contra 15,3% dos jovens pretos e pardos.

Ainda, mais de 1 milhão de crianças e adolescentes estão fora da escola, com os mais afetados sendo crianças de 4 a 5 anos e adolescentes de 15 a 17 anos. A exclusão escolar afeta principalmente os grupos mais vulneráveis, incluindo pretos, pardos, indígenas e os mais pobres, com fatores como trabalho infantil, pobreza, gravidez na adolescência, discriminação racial e violência contribuindo para essa exclusão.

Gestão dos recursos públicos

A corrupção e a falta de transparência na gestão dos fundos públicos resultam em uma distribuição desigual dos recursos, com os serviços básicos frequentemente não atendendo às necessidades das populações mais vulneráveis. Além disso, políticas públicas equivocadas e a falta de investimentos adequados em áreas essenciais como saúde, educação e infraestrutura social agravam a situação.

Acesso aos serviços básicos

O déficit habitacional do Brasil chegou a 6 milhões de domicílios em 2022, representando 8,3% do total de habitações ocupadas. A maioria das famílias afetadas ganha até dois salários mínimos e enfrenta ônus excessivo com o aluguel, gastando mais de 30% da renda em moradia. As mulheres são responsáveis por 62,6% dos domicílios, e as pessoas negras são maioria em quase todos os componentes do déficit habitacional.

Segundo dados do Instituto Trata Brasil, cerca de 33 milhões de brasileiros vivem sem acesso à água potável, um problema que se agrava em regiões como o Norte, onde apenas 64,2% da população tem acesso a esse recurso essencial. Mesmo em um país rico em recursos hídricos, como os aquíferos Guarani e Alter do Chão, a falta de infraestrutura e investimento adequado em saneamento básico continua a ser um grande desafio. A ausência de saneamento adequado leva à disseminação de doenças e à perpetuação da pobreza.

Mais de 16 milhões de moradias não recebem água regularmente, afetando cerca de 51 milhões de brasileiros. Entre os mais jovens, 30,4% vivem em habitações com abastecimento irregular. A falta de saneamento também impacta a saúde pública, com altos custos decorrentes de doenças relacionadas à água contaminada e esgotos a céu aberto.

Desemprego e oportunidades para pessoas em vulnerabilidade social

Um relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgado em janeiro de 2024 mostrou que a taxa de desemprego global atingiu 5,1% em 2023, inferior aos níveis anteriores à pandemia da Covid-19. No entanto, o número de trabalhadores vivendo em extrema pobreza aumentou cerca de 1 milhão, enquanto aqueles em pobreza moderada aumentaram em 8,4 milhões.

O desemprego no Brasil afeta de maneira desproporcional as pessoas em vulnerabilidade social, especialmente pretos, pardos e mulheres. A população negra ganha, em média, 15% menos do que a população branca desde a década de 1980, indicando uma estagnação na diferença salarial.

A disparidade de gênero no mercado de trabalho também é significativa. A participação das mulheres recuperou-se rapidamente após a pandemia, mas ainda há uma grande desigualdade, especialmente em países emergentes e em desenvolvimento. As mulheres jovens enfrentam taxas elevadas de desemprego e um grande número de jovens mulheres estão na categoria NEET (Not in Employment, Education, or Training), o que limita suas perspectivas de emprego a longo prazo.

A falta de investimento em infraestrutura de transporte acessível e eficiente limita a mobilidade urbana e rural, afetando o acesso ao trabalho, educação e serviços de saúde. Populações periféricas e rurais enfrentam longas distâncias e transporte inadequado, perpetuando a desigualdade social no Brasil.

Principais consequências da desigualdade social no Brasil

Aumento da pobreza

Embora a taxa de pobreza tenha caído de 32% em 2022 para 27,5% em 2023, ainda há um número significativo de brasileiros vivendo em condições de pobreza. Essa redução é atribuída a programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, e à geração de emprego, que melhoraram a renda das famílias mais vulneráveis. No entanto, a pobreza extrema ainda persiste, especialmente em regiões mais carentes.

Favelização

A desigualdade social também leva ao crescimento das favelas e habitações precárias. Com o déficit habitacional totalizando 6 milhões de domicílios em 2022, muitas famílias acabam se estabelecendo em áreas informais sem infraestrutura adequada. Essas áreas são frequentemente marcadas pela falta de serviços básicos, como saneamento e água potável, e estão localizadas em regiões de risco, aumentando a vulnerabilidade das populações que lá residem.

Insegurança alimentar

A edição 2024 do Relatório das Nações Unidas sobre o Estado da Insegurança Alimentar Mundial (SOFI 2024) mostrou uma redução na insegurança alimentar severa no Brasil. Em 2023, 14,7 milhões de brasileiros saíram dessa condição, reduzindo o número de pessoas em insegurança alimentar severa de 17,2 milhões em 2022 para 2,5 milhões. Percentualmente, essa redução foi de 8% para 1,2% da população.

Segundo a metodologia da FAO, insegurança alimentar severa ocorre quando uma pessoa não tem acesso a alimentos e passa um dia ou mais sem comer, o que leva a prejuízos graves à saúde física e mental, especialmente na primeira infância. A queda nos níveis de insegurança alimentar severa no Brasil foi resultado de esforços conjuntos em políticas públicas, como programas de transferência de renda e aumento do emprego.

Apesar dos avanços, a insegurança alimentar moderada ou grave permanece uma preocupação global, com 733 milhões de pessoas em situação de fome em 2023. No Brasil, o relatório destaca que, embora os números tenham melhorado, ainda há um caminho a percorrer para garantir a segurança alimentar de toda a população.

O relatório da SOFI também ressalta a importância de políticas públicas eficientes e a necessidade de continuidade dos esforços para reduzir a insegurança alimentar e alcançar um desenvolvimento sustentável e inclusivo.

Falta de saneamento básico

A ausência de saneamento básico afeta milhões de brasileiros, perpetuando as desigualdades sociais e prejudicando a saúde pública. Como falamos cerca de 33 milhões de pessoas vivem sem acesso à água potável, e o déficit de saneamento é mais acentuado nas regiões Norte e Nordeste. A falta de saneamento adequado resulta na disseminação de doenças e na degradação das condições de vida, impactando especialmente as comunidades em situação de pobreza e vulneráveis.

Soluções para a desigualdade social no Brasil: o papel da Habitat

Diante desse cenário, organizações como a Habitat para a Humanidade Brasil têm um papel crucial a desempenhar. A Habitat Brasil está comprometida em enfrentar a desigualdade social por meio de iniciativas que visam melhorar a qualidade de vida das comunidades. Projetos como o Saneamento nas Escolas da Ilha do Marajó, em parceria com o BNDES e outras instituições, exemplificam o compromisso da Habitat em criar soluções sustentáveis que impactam positivamente a vida das pessoas.

É evidente que a redução da desigualdade exige mais do que medidas paliativas. O Brasil enfrenta o desafio de manter o equilíbrio entre benefícios sociais e crescimento econômico sustentável. Aumentar a produtividade, melhorar a educação e desenvolver estratégias robustas são fundamentais para construir uma sociedade mais justa e igualitária.

Nesse contexto, a Habitat Brasil reafirma seu compromisso de trabalhar por um futuro onde a desigualdade seja progressivamente reduzida, proporcionando a todos a oportunidade de uma vida digna e próspera.

Apoie a Habitat Brasil e contribua para manter nossos projetos em andamento, que visam transformar vidas por meio da moradia digna, saneamento básico e água potável para todos. Sua doação é essencial para garantir direitos fundamentais e proporcionar uma vida saudável e digna para milhares de pessoas. Juntos, podemos fazer a diferença, faça uma doação hoje!