É só passar pelas grandes cidades para entender o que a falta de planejamento urbano causa. Desigualdade, segregação espacial, ausência de moradia digna e até problemas no trânsito são sinais de que o território daquele município foi se construindo de forma desordenada.
Por isso, muitos governos municipais vêm discutindo a elaboração de planos diretores. Embora vários já os tenham implementado, esses documentos nem sempre são seguidos. Essas situações geram um déficit habitacional no Brasil cada vez maior.
Tanto é que um estudo da Fundação João Pinheiro revelou que o déficit habitacional no Brasil aumentou de 5,964 milhões de domicílios em 2019 para 6,215 milhões em 2022. Com um planejamento urbano eficiente, esse problema poderia ser reduzido.
Como? É o que vamos explicar neste artigo. Continue lendo!
O que é o planejamento urbano?
O planejamento urbano é o processo de criar soluções para organizar, desenvolver e gerenciar o espaço físico das cidades de maneira estratégica. Dessa forma, o objetivo é garantir uma distribuição equitativa dos recursos e benefícios do desenvolvimento urbano, assegurando a toda população o acesso aos serviços básicos, como água, saúde, educação, saneamento e moradia digna.
Uma cidade que segue esse planejamento consegue ser mais organizada, ter menos pessoas morando nas ruas e oferecer mais qualidade de vida. Além disso, essa área também passa a ter menos problemas derivados da urbanização, por exemplo, congestionamentos e impactos ecológicos.
Nesse cenário, a falta de moradia é um dos aspectos mais impactantes e que demonstra a desigualdade. Aqui, entra o problema da ação de despejo, que aumentou 393% entre agosto de 2020 e maio de 2022, conforme relatório da Campanha Despejo Zero.
Então, investir no planejamento das cidades é uma forma de ordenar seu crescimento, evitando a segregação e garantindo cidades mais igualitárias e inclusivas.
Ou seja, é mais fácil implantar o direito à moradia digna e acesso aos serviços básicos. Isso implica qualidade de vida.
Desafios das desigualdades urbanas e urbanização desenfreada
Segregação socioespacial
A segregação socioespacial caracteriza-se pela divisão de uma área de acordo com a classe social das pessoas que ali moram. Essa situação impacta o acesso aos direitos básicos, como emprego, educação, saúde, moradia e transporte público.
A relação da segregação espacial e do planejamento urbano é o fato da população mais carente ser relegada a espaços mais distantes do centro. Em alguns municípios, como São Paulo e Rio de Janeiro, essa separação geográfica mal chega a existir, mas fica evidente.
Um exemplo claro é os bairros de Morumbi e Paraisópolis, na capital paulista. Enquanto o primeiro contém habitantes das classes A e B, o segundo tem C, D e E. Isso faz com que a densidade da população seja bastante diferente, assim como a oferta de serviços básicos.
Além disso, enquanto o Morumbi conta com moradia digna, em Paraisópolis muitas famílias vivem sem condições adequadas em casa. Portanto, a segregação espacial vai muito além da distância física; é uma separação realmente social.
Falta de infraestrutura adequada
Áreas vulnerabilizadas têm pouca infraestrutura. Isso ocorre como consequência do desenvolvimento desigual das cidades, em que a população com menos renda precisa se concentrar em espaços urbanos inadequados.
Nesses locais, os direitos básicos e fundamentais são negados. Isso significa que não há moradia digna, saneamento básico, acesso à água potável e outros recursos que levam à qualidade de vida. Ao mesmo tempo, essa situação aumenta o surgimento de doenças, como leptospirose e cólera.
O problema da falta de planejamento urbano é que essa situação se torna exacerbada. Inclusive, existe o movimento Not in my Backyard, ou Não no meu Quintal. A proposta é que o desenvolvimento da cidade seja realizado, mas longe de quem apoia essa ação.
Em outras palavras, essas pessoas acreditam que o planejamento deve acontecer longe das áreas valorizadas em que moram. Portanto, o objetivo desse movimento é incentivar a segregação socioespacial, em vez de diminuí-la.
Acesso desigual a serviços básicos
Os locais mais vulneráveis têm menos acesso a serviços públicos de qualidade, como escolas, Unidades Básicas de Saúde (UBS) e rede de esgoto. Essa é uma realidade que existe há anos, tendo sido potencializada na época do Banco Nacional da Habitação (BNH), que implementou as Companhias de Habitação (COHABs).
Esse programa investiu muito nas unidades habitacionais, mas essas áreas estavam longe dos serviços públicos, centros de emprego e outras comodidades. A mesma situação foi verificada no Minha Casa, Minha Vida e no Casa Verde e Amarela.
Ou seja, ainda que esses programas tenham reduzido o déficit habitacional, não houve preocupação com outros aspectos importantes. A população foi apenas direcionada a essas áreas, sem ter auxílio com questões básicas do dia a dia, na maioria das vezes.
Impactos ambientais
O processo de ocupação desordenada nas cidades também impacta o meio ambiente e coloca em risco a vida da população. Um exemplo é a tragédia ocorrida no litoral norte de São Paulo, em 2023.
Com fortes chuvas, a região enfrentou deslizamentos e enchentes. O resultado foi uma catástrofe, com 54 mortos e mais de 750 desabrigados.
Os motivos principais deste cenário foram as mudanças climáticas e a falta de planejamento urbano. O crescimento desenfreado de cidades como São Sebastião fez com que áreas verdes fossem ocupadas para exploração turística.
Ao mesmo tempo, pessoas vulnerabilizadas foram deslocadas para os morros e ficaram em áreas de risco. Isso fica bem demonstrado na tragédia do litoral norte, porque a região mais afetada foi a Vila Sahy, em São Sebastião, uma ocupação irregular.
Quais ações o planejamento urbano pode implementar para reduzir as desigualdades?
Elaboração de um plano diretor
O plano diretor é o principal instrumento de planejamento urbano e deve ser responsável pela redução das desigualdades no espaço municipal. Ele deve seguir o Estatuto da Cidade, que determina o uso das áreas de forma a garantir o bem coletivo, o bem-estar e a segurança das pessoas.
Como as cidades brasileiras cresceram de forma desordenada, há problemas relacionados à degradação do meio ambiente, falta de moradia digna e de saneamento básico etc. Isso exige que o planejamento urbano ultrapasse os critérios territoriais e físicos, abrangendo o acesso aos serviços básicos e corrigindo impactos negativos que aconteceram ao longo da história.
Nesse sentido, o plano diretor é responsável por fornecer o suporte necessário para que as cidades sejam sustentáveis e inclusivas. Para isso, ele deve ter a participação popular, a fim de que se evite utilizá-lo a favor de classes já privilegiadas.
Criação de Zonas Especiais de Interesse Social
As ZEIS são um instrumento de política habitacional inserido no planejamento urbano. Ela considera que nem toda moradia é digna, porque falta espaço, saneamento básico, acesso à água potável etc.
Isso significa que o conceito de moradia é mais abrangente do que a construção. Ele tem relação com o ambiente em que se insere, o que impacta a saúde e a educação, especialmente.
Assim, um dos principais problemas sociais urbanos é o acesso a um lar que traga bem-estar e qualidade de vida. As ZEIS são uma forma de saber como ajudar pessoas sem moradia adequada, pois determinam as regras para ocupação e uso do solo nas áreas voltadas para habitação popular.
Elas devem estar definidas no plano diretor ou serem criadas via lei municipal, indicando áreas com infraestrutura e bem localizadas para ocupação. Ou seja, pessoas em situação de vulnerabilidade passam a viver em locais melhores, com condições mais igualitárias.
Desenvolvimento de políticas que evitem a gentrificação
A gentrificação é o processo de especulação imobiliária, que aumenta o preço dos imóveis e faz com que os vulnerabilizados não consigam mais pagar para viver no local. Então, elas acabam se mudando para áreas mais distantes e sem condições adequadas.
Normalmente, a especulação imobiliária é derivada do investimento privado, que valoriza um imóvel ou terreno para o proprietário lucrar mais. Ela também pode acontecer devido à melhoria dos serviços públicos e privados da região, como transporte público e construção de shopping centers.
De toda forma, isso leva as pessoas a se mudarem para locais inadequados. Assim, ficam sujeitas a habitações precárias, ao gasto excessivo com aluguel, à coabitação familiar (mais de uma família vive na mesma casa) ou ao excesso de moradores (domicílios com mais de 3 pessoas por quarto).
Implementação de políticas eficientes
É fundamental criar políticas públicas que promovam o planejamento urbano e protejam as áreas verdes. Assim, pessoas em situação de vulnerabilidade social passam a ter acesso a moradias dignas, sem ocupar áreas de risco.
Isso passa pela implementação dos programas sociais, que devem priorizar a qualidade das áreas a serem habitadas. Ou seja, garantindo que elas tenham acesso à infraestrutura e a serviços públicos. Desse modo, os direitos básicos são assegurados.
Portanto, quando se fala de planejamento urbano, é importante ter uma visão holística. O conceito vai muito além de oferecer moradia, é preciso que ela seja digna, conte com infraestrutura adequada e esteja em um local que garanta acesso aos serviços básicos. Isso é o que fará a diferença.
Agora, que tal entender melhor sobre outros aspectos relacionados ao planejamento urbano? Saiba mais sobre a segregação socioespacial e seu reflexo na desigualdade social.
Resumindo
O que é o planejamento urbano?
O planejamento urbano é o processo de criar soluções para povoar, melhorar ou requalificar uma área. Dessa forma, o objetivo é garantir o máximo de igualdade e acesso aos serviços básicos, como água, saúde, educação, saneamento básico e moradia digna.
Quais ações o planejamento urbano pode implementar para reduzir as desigualdades?
O planejamento urbano pode reduzir as desigualdades por meio da elaboração de um plano diretor que assegure inclusão e bem-estar coletivo, da criação de Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) para habitação popular, e do desenvolvimento de políticas públicas que garantam moradias dignas e acesso a serviços básicos.