Uma moradia digna e adequada é o que precisamos nesta pandemia

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A mensagem dos profissionais de saúde pública é clara: para a saúde de sua família e de sua comunidade neste momento de pandemia, a melhor coisa que você pode fazer é ficar em casa.

Essa orientação é clara e salvará vidas. Mas também nos obriga a perguntar: e se o lar que você estiver usando como refúgio de doenças nesta pandemia estiver realmente deixando você doente? Esse é o caso de muitas famílias no Brasil e no mundo.

Da mesma forma que os governos e os prestadores de serviços de saúde respondem a uma crise imediata do coronavírus, eles também devem (ou deveriam) se preparar para combater outra crise de saúde pública perniciosa ainda que mais oculta: habitações inadequadas, insalubres e inacessíveis.

Já sabemos que a pandemia do coronavírus é um desastre em todos os sentidos. À medida que os salários de milhões de pessoas são eliminados, os pagamentos de aluguel e financiamentos imobiliários sofrerão com isso. As famílias começaram a enfrentar escolhas impossíveis. Pago o aluguel ou coloco comida na mesa? Corro o risco de ser despejado ou pago pelos remédios prescritos para meu filho?

Mesmo antes da COVID-19 se tornar o assunto quase único de conversas e notícias, estávamos enfrentando uma situação inaceitável, onde mais de 6 milhões de famílias não têm uma moradia e no mínimo 11 milhões de famílias moram em construções inadequadas no Brasil.

Um lar saudável é uma vacina que fornece imunidade e resiliência às famílias.

Mas foi a pandemia do coronavírus que precisou revelar uma ligação entre saúde e moradia? A conexão é muito mais profunda. A moradia inadequada tem resultados negativos diretos e documentados para a saúde das famílias, especialmente para crianças e os idosos. Uma história sobre um gato ajuda a explicar como.

Há alguns anos, uma menina deu entrada em um hospital e teve que ser internada na UTI pediátrica. Ela tinha uma crise de asma, o que era estranho, porque anteriormente a doença tinha sido bem controlada. O que mudou? Acontece que a família havia adquirido um gato, mesmo que a criança fosse alérgica a gatos.

Por que um gato? Ratos. Uma infestação em sua casa havia ficado tão ruim que eles até encontraram um rato na cama da criança. A família estava enfrentando uma escolha terrível. Eles pensaram que os ratos eram certamente uma ameaça maior do que alguns pelos de gatos. Pelo menos até a menina acabar na UTI.

Este não era um problema que um médico pudesse resolver com meios comuns. Nenhuma quantidade de medicamento tornaria seguro enviar a criança de volta à sua condição de vida perigosa. A receita que essa garota precisava era de um lar saudável.

Um lar saudável é uma vacina que fornece imunidade e resiliência. Literalmente, previne doenças. Um lar seguro pode prevenir problemas de saúde mental e de desenvolvimento, um lar decente pode prevenir asma ou envenenamento por chumbo, e um lar com instalações adequadas pode impedir um crescimento atrofiado e hospitalizações desnecessárias.

Por meio da Habitat para a Humanidade Brasil, que ajuda as famílias a construir e reformar casas tornando-as saudáveis ​​e acessíveis, ouvimos histórias como essa. Veja Natasha, por exemplo. Ela é mãe solteira de dois filhos, cujo filho mais velho Malik sofria de asma. “Tínhamos muito mofo em casa … eu não estava confortável com meus filhos sofrendo, morando lá”, ela nos disse. Em sua nova casa reformada pelo trabalho de Habitat, a condição de Malik foi acentuadamente aliviada. A casa em si era o tratamento.

Como milhões de brasileiros – e mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo – são instruídos a ficar em casa nesta pandemia, nossos pensamentos estão com muitas famílias que não têm um lar seguro e saudável para se abrigar.

Questões ambientais como mofo regularmente enviam pessoas ao hospital. Isso será desastroso para as populações vulneráveis ​​no momento em que os recursos são limitados, quando as pessoas têm pavor de ir aos pronto-socorros e quando os serviços de saúde sobrecarregados estão ficando sem leitos disponíveis.

Pense também nas famílias numerosas que se aglomeram em pequenos espaços de convivência porque são tudo o que têm ou o que podem pagar. A Organização Mundial da Saúde afirma que existe um alto risco de que os impactos do COVID-19 sejam sentidos significativamente mais pelos pobres que vivem em favelas e áreas urbanas, onde o distanciamento social pode ser impossível.

As famílias sem acesso fácil e confiável à água limpa em sua casa acham que as orientações para uma lavagem eficaz das mãos são difíceis de cumprir.

A falta de moradias seguras e decentes dificulta o tratamento. E muito antes e muito depois do coronavírus, ainda estaremos enchendo leitos hospitalares com muitas pessoas – principalmente crianças e idosos – que não estariam doentes se estivessem em um lar saudável.

Então, o que pode ser feito? Na medicina, a máxima é “primeiro, não faça mal”. Como os governos implementam medidas para trazer alívio àqueles que sofrem economicamente, devem priorizar também a habitação.

Ao planejar uma recuperação econômica, nos deparamos com uma oportunidade única de fazer investimentos consistentes em moradias que irão reforçar as economias nacional e global, ao mesmo tempo em que proporcionamos às famílias as bases saudáveis ​​necessárias para construir seu futuro. É fundamental que se tenha uma política de subsídios para a melhoria geral das condições de habitação de famílias mais vulneráveis.

A ordem de “ficar em casa” pode resolver esta emergência de saúde pública. A decisão de construir casas novas e melhores pode impedir a próxima.

 

Tradução e adaptação do texto “Housing is the prescription we need”, escrito por Megan Sandel e Jonathan T.M. Reckford, Global CEO da Habitat for Humanity International. Leia o texto original aqui.