Falta de apoio governamental e adoecimento psicológico predominam nas comunidades vítimas dos deslizamentos e enchentes ocorridos, este ano, na Grande Recife.
O que parecia ser mais um dia do inverno recifense, ficou marcado por uma tragédia com 130 mortos, vítimas de deslizamentos e enchentes em regiões espalhadas por toda a cidade. Na Zona Sul do Recife, está a comunidade Jardim Monte Verde, localizada no bairro do Ibura, na divisa com o município de Jaboatão dos Guararapes. Uma zona de morro, com habitações construídas em encostas sem proteção contra desastres.
O depoimento de Jaqueline Alves, uma das moradoras da comunidade, traz a lembrança dos três parentes que perdeu na tragédia. Só no bairro, mais de 20 pessoas foram soterradas por quedas de barreira. “Foi o pior dia das nossas vidas. Às 5h30, só escutei minha irmã gritando: Keka, a barreira caiu e está todo mundo embaixo da barreira […] E a gente ainda teve que ir lá retirar os corpos”.
Quase cinco meses após o dia que nunca será esquecido pelos moradores de Jardim Monte Verde, o cenário ainda é devastador no local: pessoas morando em casas interditadas pela Defesa Civil, por não terem para onde ir, famílias despedaçadas, ainda chorando a perda de entes, e desamparadas pelo Poder Público, e incontáveis moradores, de crianças a adultos, enfrentando adoecimentos psicológicos devido aos traumas causados pelas perdas na tragédia, agravado pelo medo da chegada de novas chuvas. “O meu filho perdeu a vontade de viver desde que viu toda a tragédia. Ele era cheio de vida. Perdemos tudo e não recebemos apoio de ninguém desde então”, disse Joselice Rodrigues, moradora da região, que teve a casa interditada pela Defesa Civil, e mãe de um filho de 18 anos.
A visita à comunidade teve por objetivo apurar denúncias de que as famílias vítimas da chuvas, seja pela perda de parentes ou pela perda parcial ou total da moradia, não estavam recebendo apoio das instâncias governamentais. Para isso, foi realizada uma escuta aos moradores locais organizada pela Habitat para a Humanidade Brasil em parceria com o Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social (Cendhec), a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), o Centro Popular de Direitos Humanos (CPDH) e pela Defensoria Pública da União. A Missão-Denúncia mapeou mais de 50 territórios atingidos e fez visitas a cinco outras regiões: Goiana, Várzea, Camaragibe, Muribeca e Olinda.
“Quando abrimos a roda de diálogo com as mães, esposas e filhas que perderam pessoas, suas casas, uma vida inteira, a gente percebeu que nenhum espaço foi aberto nem para elas falarem sobre a tragédia que vivenciaram. A escuta, a princípio, seria para levantar situações para colocar no Dossiê, mas tem sido difícil até chegar nisso. Estamos dentro de uma comunidade que está em luto, e que não conta com nenhuma assistência psicológica, sem falar dos auxílios que não chegaram nas pessoas, porque existe um critério excludente”, explicou Mohema Rolim, Gerente de Programa da Habitat Brasil.
No dia 16 de novembro haverá uma audiência pública para apresentação do Dossiê Popular de Impacto das Chuvas no Recife e Região Metropolitana, um relatório final com o apanhado das denúncias, para buscar soluções habitacionais, além do apoio psicológico para a população, com a Defensoria Pública do Estado, da União e o Ministério Público.
Imagem de capa: Aline Sales