Conheça a história de Sarah Marques, educadora popular que luta pelo direito à terra e pelo fim da desigualdade racial
Desde a barriga de sua mãe, Sarah Marques, nascida e criada em Caranguejo dos Tabaiares, faz parte da luta pelo direito à terra. Seu pai, Siraquitan, foi líder comunitário e participou na linha de frente da ocupação do território há 40 anos atrás – quando sua mãe, Norma, ainda a carregava em seu ventre. Hoje, Sarah também tem como uma de suas principais lutas a defesa de seu território e da ancestralidade que ele carrega.
Sua trajetória na militância começou a despontar de forma mais evidente aos 14 anos de idade. Na época, participou como pesquisadora de um censo aplicado pelo SEBRAE na comunidade. “Foi aí que eu pude conhecer Caranguejo dos Tabaiares por dentro”, explicou. Desde então, Sarah não parou mais, começou a se envolver com diversos projetos e com organizações do terceiro setor.
“Minha luta sempre esteve ligada a defesa do território, mas foi no dia 15 de junho de 2019 que eu percebi que nós da comunidade só tínhamos uns aos outros para defender esse espaço, esse lugar que é nosso”, relatou Sarah
O dia 15 de junho de 2019 foi um dia marcante em sua vida. A prefeitura da cidade emitiu uma ordem de despejo para 76 famílias que moram na margem do canal de Caranguejo dos Tabaiares. Então, Sarah se uniu com o coordenador da biblioteca comunitária, Reginaldo, e juntos fundaram o Coletivo Caranguejo dos Tabaiares Resiste.
Através do coletivo iniciaram uma campanha contra a ação da prefeitura e começaram um processo de mobilização interna e externa à comunidade. Para ela foi muito mais difícil o processo de conscientização com os moradores. “A gente conseguiu envolver muita gente de fora, imprensa, ongs, universidades… mas dentro sempre é mais difícil porque é uma disputa de narrativa”, explica.
“Lutamos contra uma narrativa que vem sendo construída há anos. A narrativa que diz que nós somos invasores e não ocupantes, que não temos o direito de ocupar essa terra. A gente iniciou um processo de debate e de resgate com a comunidade. É importante que os moradores se identifiquem com esse lugar que foi aterrado pelos nossos ancestrais.”
Mesmo sendo silenciados diversas vezes, Sarah e os moradores da comunidade conseguiram vencer essa batalha. O prefeito revogou a decisão. “Não foi fácil. Muitas vezes fomos silenciados pelo próprio Ministério Público. A promotora não queria ouvir a história da comunidade por mim, por uma mulher negra e periférica. Ela apenas se referia aos advogados, mas nossa história tem que ser contatada por nós mesmos.”, desabafa.
A questão racial também é discutida com a comunidade. “Tudo que passa na nossa vida é atravessado por isso”, diz Sarah. A violência é uma realidade na comunidade e mesmo durante o período de pandemia, as operações policiais continuaram acontecendo.
“Eu como mulher preta e mãe de filho preto fico o tempo todo com o coração na mão. Meu filho está com 14 anos e a polícia olha pra ele de outro jeito. Ele está deixando de ser criança para se tornar um homem. Todos os dias tenho que dizer para ele segurar o sorriso e a brincadeira porque a polícia não gosta disso. Sei que o corpo dele é um alvo”, desabafa
A fome é um dos maiores problemas de Caranguejo dos Tabaiares no momento. A maior parte das famílias são chefiadas por mulheres que trabalham na informalidade. Em períodos de lockdown, elas são as primeiras a perderem a fonte de renda. Nesses momentos, muitas pessoas recorrem aos aplicativos de entrega e aos restaurantes que realizam delivery. Essa realidade também faz com que estejam ainda mais expostos ao vírus.
O coletivo Caranguejo Tabaiares Resiste tem distribuído mantimentos para apoiar a comunidade nesse momento de crise, mas o trabalho vai muito além de sanar apenas a fome do estômago, Sarah acredita que também é necessário sanar a fome da alma.
Por isso, além das medidas emergenciais de distribuição de alimentos, máscaras e instalações de pias comunitárias – realizadas em parceria com a Habitat Brasil – o coletivo também se organiza para recitar poemas, indicar livros e colocar música para os moradores.
A educadora popular acredita que só será possível avançar na luta contra o racismo e as desigualdades quando a voz do povo preto também for de fato escutada.
“O Brasil, o estado e a cidade precisam fazer com que a gente tenha voz que a nossa versão da história também seja considerada. E é necessário sanar todas as fomes, não só a do estômago. O meu povo tem fome de muitas outras áreas, é uma fome de direitos.”, conclui.