Adaptação Comunitária às Mudanças Climáticas

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As mudanças climáticas já estão moldando e desafiando a vida urbana no Brasil. Em especial, as moradias de populações vulnerabilizadas vêm sendo cada vez mais afetadas por eventos extremos, como chuvas intensas, enchentes, deslizamentos e ondas de calor prolongadas.

De 2013 a maio de 2024, cerca de 2,6 milhões de moradias foram danificadas ou destruídas por desastres no Brasil, afetando mais de 5 milhões de pessoas. Esse dado oficial escancara o quanto a crise climática já está batendo à porta. Ou, pior, derrubando o teto de milhões de famílias brasileiras.

A crise climática não afeta toda a população da mesma forma. Segundo o Serviço Geológico do Brasil, cerca de 4 milhões de pessoas vivem hoje em áreas de risco, geralmente localizadas em morros, encostas ou às margens de rios, sem infraestrutura adequada e distantes de serviços básicos.

Racismo Ambiental e Justiça Climática

É importante reforçar: ninguém escolhe morar em área de risco. O que existe é uma falha sistêmica, como aponta o livro Racismo Ambiental e Emergência Climática no Brasil, que é o resultado de décadas de políticas urbanas excludentes, da ausência de alternativas habitacionais adequadas, especulação imobiliária, ausência de acesso à terra e o racismo estrutural.

O racismo socioambiental é um reflexo direto da violação histórica provocada pela escravidão. As populações negras foram sendo empurradas para territórios com menos infraestrutura, menos saneamento, menos acesso a equipamentos públicos e mais expostas aos impactos ambientais e climáticos.

O conceito de justiça climática nos convida justamente a reconhecer que os impactos das mudanças do clima não são distribuídos igualmente. Pelo contrário: eles recaem de forma mais severa sobre aqueles que historicamente tiveram menos acesso a direitos e proteção do Estado.

Dados do Censo Demográfico de 2022 evidenciam essa desigualdade racial: cerca de 72,9% das pessoas que vivem em favelas no Brasil se identificam como negras (pretas ou pardas), sendo 56,8% pardas e 16,1% pretas, enquanto apenas 26,6% se declaram brancas. Ou seja, a maioria das pessoas vivendo em áreas de risco no país é preta ou parda, expondo uma relação direta entre raça, exclusão social e vulnerabilidade socioambiental.

O município do Rio de Janeiro é um exemplo emblemático. De acordo com o projeto Rio 60ºC, aproximadamente 599 mil domicílios na cidade (21%) estão localizados em áreas de alta vulnerabilidade a deslizamentos e inundações. Desse total, 142 mil estão em situação de vulnerabilidade muito alta. Regiões como Rocinha, Pavão-Pavãozinho, Cantagalo, Acari e Rio das Pedras estão entre as mais expostas.

Adaptação Comunitária

Diante desse cenário, resiliência e adaptação comunitária deixam de ser conceitos abstratos e se tornam estratégias urgentes de sobrevivência.

Na prática, envolve o fortalecimento de redes locais, a troca de saberes, a criação de protocolos próprios de resposta a desastres e o mapeamento colaborativo dos riscos.

A adaptação comunitária não significa responsabilizar quem está na linha de frente por encontrar soluções isoladas, mas sim reconhecer seus saberes, investir em sua proteção e garantir políticas estruturantes que enfrentem desigualdades históricas.

No entanto, não cabe às comunidades sozinhas o peso da adaptação. Como apontado pelo site AdaptaClima, do Ministério do Meio Ambiente, políticas públicas voltadas à adaptação urbana devem contemplar infraestrutura de drenagem, requalificação de moradias, acesso à terra segura e à regularização fundiária. Garantir o direito à moradia digna em território seguro é um passo essencial para enfrentar a crise climática com justiça.

A adaptação comunitária não pode ser encarada como substituta da ação do Estado. Cabe ao poder público garantir infraestrutura urbana de qualidade, ampliar políticas de regularização fundiária e realocação segura, promover o acesso à terra e reconhecer os direitos de posse das comunidades tradicionais e urbanas.

Organizações da sociedade civil também unem forças, agindo de forma emergencial e ao mesmo tempo estruturante. A Habitat para a Humanidade Brasil, por exemplo, desde as enchentes que devastaram o Rio Grande do Sul em maio de 2024, atua na restauração de casas danificadas por meio do programa Resposta a Desastres. A organização tem contribuído para que famílias retomem suas vidas com dignidade e segurança, respeitando vínculos com o território e com a comunidade local.

Só assim será possível construir cidades verdadeiramente resilientes, onde todos tenham o direito de viver com segurança, dignidade e pertencimento, mesmo diante das tempestades que ainda virão.

Essa também foi uma das principais mensagens da 19ª Conferência Internacional sobre Adaptação Comunitária às Mudanças Climáticas, realizada pela primeira vez na América Latina, no Recife. Ao reunir lideranças, especialistas e organizações de mais de 30 países, o evento reforçou que a moradia digna precisa estar no centro do debate climático. Garantir o direito à terra, à posse e à permanência em territórios seguros é fundamental para qualquer estratégia de adaptação que se proponha justa, eficaz e enraizada na realidade do Sul Global.

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