A chuva vai voltar: o que aconteceu seis meses após a tragédia de Recife

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“A chuva levou metade da minha casa, mas eu tive que voltar pra lá mesmo sabendo que a casa tava condenada, porque eu não tive nenhum auxílio e não tenho condições de pagar aluguel e alimentar meus três filhos sozinha”

depoimento de uma das sobreviventes dos deslizamentos e inundações que aconteceram, em maio deste ano, na Grande Recife.

Recife, 28 de maio de 2022. O que parecia ser apenas mais um dia do inverno recifense, ficou marcado por uma das maiores tragédias socioambientais já ocorridas em Pernambuco ― ao menos, 130 vidas foram interrompidas e cerca de 128 mil pessoas ficaram desabrigadas após deslizamentos e inundações atingirem diversos territórios da região metropolitana do estado. 

Quase seis meses depois, predomina um sentimento de completo abandono e desamparo nas comunidades mais afetadas pelo desastre. Além da dor do luto, as famílias que sobreviveram à tragédia enfrentam dificuldades para acessar os serviços de assistência social, financeira e psicológica. Muitas relatam, inclusive, serem vítimas de intimidações e ameaças ao procurarem agentes públicos para pedir ajuda. 
 
Sem alternativas ou recursos financeiros para reconstruírem suas vidas, muitos moradores viram-se forçados a retornar para as casas que haviam sido interditadas. São imóveis localizados em áreas condenadas que podem desmoronar a qualquer momento, dando início a uma nova tragédia que, assim como a de maio, poderia ser evitada com o investimento do poder público em políticas de moradia e de prevenção aos efeitos da crise climática

Alguns moradores comentam que tiveram o auxílio negado, mesmo após perderem suas casas e familiares. Ainda assim, aqueles que o receberam seguem com dificuldades, pois o valor pago pelo governo do estado (R$1500) é inferior ao preço de uma geladeira, não cobrindo nem sequer os danos mais imediatos. No caso das cestas básicas, as famílias relatam que foram recebidas com hostilidade pela prefeitura ao solicitar a doação. 

Por isso, nesta quarta-feira (16), realizamos ― junto a outras organizações da sociedade civil ― uma audiência pública na OAB de Pernambuco para ampliar a visibilidade dos impactos provocados pela chuva e apresentar recomendações que devem ser seguidas, pelo poder público, para reparar os danos causados às comunidades e prevenir novas tragédias socioambientais, garantindo que os desastres ocorridos, neste ano, não se repitam no próximo inverno

Para viabilizar essa iniciativa, foram escutados 82 territórios populares localizados em oito municípios atingidos pelas chuvas na região metropolitana de Recife. Confira, abaixo, o depoimento de alguns dos moradores em vídeo:

✱ Dentre as recomendações, apresentadas em audiência pública, destacam-se:

1. O que ainda precisa ser feito pelas pessoas atingidas: 

  • ampliar a concessão e o valor dos auxílios emergenciais;
  • melhorar o atendimento de saúde médica e psicológica à população atingida;
  • facilitar a emissão de documentos de identificação para quem os perdeu nos deslizamentos e inundações e assegurar às famílias o acesso à informação e apoio jurídico em casos de remoção e coação. 

2. O que precisa ser feito antes do próximo inverno: 

  • mapear áreas de risco;
  • investir em políticas de despejo zero, construir abrigos permanentes em áreas seguras;
  • criar comitês de prevenção e contenção de desastres;
  • criar ou aprimorar a rede local de atendimento e garantir transparência no recebimento e na destinação de recursos públicos. 

3. O que precisa ser feito para a construção de uma resiliência: 

  • assegurar que todas as famílias tenham acesso a alternativas adequadas de moradia;
  • priorizar investimentos na prevenção de risco e desastres;
  • condicionar a desocupação de áreas de risco;
  • estabelecer medidas de transição energética etc.  

Contribuem para esta iniciativa organizações da sociedade civil como a Habitat para a Humanidade Brasil, Articulação Recife de Luta, Cendhec – Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social, IBDU – Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico, FASE, Meu Recife, CPDH Centro Popular de Direitos Humanos, OAB – Comissão de Advocacia Popular e Comissão de Direitos Humanos, Centro Sabiá, CAUS, Fórum de Mulheres de Pernambuco.