A luta dos povos indígenas por moradia digna no Brasil se junta a de todos, uma vez que reconhecemos as desigualdades históricas e a negação de direitos fundamentais. No caso dos povos indígenas, esse direito se expressa, de forma indissociável, na luta pela demarcação dos territórios ancestrais. Morar, para essas comunidades, vai além de ter um teto: trata-se de viver em harmonia com seu território, sua cultura e sua história. Nesse contexto, o Acampamento Terra Livre (ATL), maior mobilização indígena do país, se consolida como símbolo dessa resistência.
Entre os dias 7 e 11 de abril de 2025, cerca de 10 mil indígenas de todas as regiões do Brasil se reuniram em Brasília para a 21ª edição do ATL, organizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e suas sete organizações regionais. Mais do que uma mobilização, o acampamento é uma manifestação coletiva por direitos fundamentais, como o direito à vida, à segurança e à moradia digna — garantias que passam, necessariamente, pela demarcação dos territórios indígenas.
O Acampamento Terra Livre é uma das maiores manifestações pelo direito à moradia e a maior mobilização indígena do país. O evento acontece anualmente, de forma 100% independente, financiado por doações e pela própria articulação indígena e sem apoio do governo. Este ano, também contou com a presença de delegações de outros países da Bacia Amazônica, como Bolívia, Colômbia e Equador, além de representantes de nações indígenas da Oceania, como Austrália e Fiji. Essa união internacional surgiu para reforçar a importância da participação indígena nos debates globais sobre mudanças climáticas, especialmente na COP 30, que acontecerá em Belém (PA) em novembro.
A luta pela demarcação das terras indígenas é uma das mais antigas do Brasil. Segundo o MapBiomas, embora as Terras Indígenas representem 13% do território nacional, elas são responsáveis por apenas 1% da perda de vegetação nativa entre 1985 e 2023. Isso mostra que proteger os territórios indígenas é também proteger o meio ambiente. No entanto, muitos desses povos ainda vivem sem a segurança jurídica da posse de suas terras, sendo alvo constante de invasões, grilagem, desmatamento e violência.
A falta de demarcação compromete o direito à moradia, pois impede que essas comunidades tenham garantido o espaço necessário para manter seu modo de vida. Sem território, não há casa, não há saúde, não há escola, não há cultura — ou seja, não há futuro.
Marco Temporal ameaça a luta de povos indígenas por moradia digna

O tema do ATL de 2025 foi: “APIB somos todos nós: Em defesa da Constituição e da vida”. A frase resume o espírito de luta de mais de 300 povos indígenas do país, que vêem na Constituição de 1988 o principal instrumento de defesa de seus direitos. Mas esses direitos estão sob constante ameaça.
O tema central do encontro dos parentes foi o enfrentamento ao Marco Temporal, tese jurídica que condiciona o direito à terra à ocupação comprovada até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Essa interpretação ignora os despejos forçados, violências e remoções históricas sofridas por muitos povos, além de contradizer os direitos assegurados pela própria Constituição Federal.
Em setembro de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou a tese do Marco Temporal inconstitucional. No entanto, em outubro de 2023, o Congresso Nacional aprovou a Lei 14.701/2023, que reinstitui esse entendimento. A medida foi rechaçada por lideranças indígenas, que também criticam a proposta de conciliação apresentada pelo ministro Gilmar Mendes, relator do caso no STF. Segundo o movimento, a chamada “mesa de conciliação” trava direitos constitucionais e institui retrocessos, como a flexibilização da consulta prévia e o uso da Polícia Militar para reintegrações de posse.
A retirada das lideranças indígenas da mesa de conciliação deixou claro que não há negociação possível quando o que está em jogo são direitos fundamentais. O movimento exige a revogação da Lei 14.701/2023 e a demarcação imediata de todos os territórios já identificados.
Mais de 250 processos de demarcação seguem sem conclusão no Brasil. O procedimento, regido pelo Decreto 1.775/1996, começa com a identificação e delimitação feita pela Funai. No entanto, a morosidade dos trâmites, somada à pressão de setores interessados na exploração econômica dessas áreas, impede que os direitos territoriais sejam efetivados.
A moradia digna para os povos indígenas só é possível com território garantido, segurança contra invasões e respeito à autodeterminação. Sem terra, não há casa. E sem casa, não há dignidade.
A luta indígena é também a luta pelo direito à moradia, à segurança e à proteção ambiental. Ao defender seus territórios, os povos originários estão não apenas buscando justiça histórica, mas protegendo o que resta de florestas e biodiversidade em um país que segue liderando rankings de desmatamento.
O Acampamento Terra Livre, com toda sua força simbólica e política, nos lembra que nenhuma política habitacional será completa se continuar ignorando os direitos dos povos indígenas. É preciso reconhecer que a casa deles é a floresta, é a terra ancestral, é o território coletivo. Garantir isso é garantir moradia. É garantir dignidade. É garantir futuro.
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