Envelhecer deveria ser, acima de tudo, uma conquista social. Mas, no Brasil, o avanço da idade expõe vulnerabilidades profundas, principalmente quando falamos sobre o direito à moradia e o acesso à cidade. À medida que a população brasileira envelhece, com mais de 15% da população acima dos 60 anos, surge a pergunta: onde e como os idosos conseguem viver de forma digna?
A discussão sobre o déficit habitacional no país ainda é focada majoritariamente em famílias jovens, ignorando uma parcela crescente da população que enfrenta barreiras específicas. Para os idosos, a ausência de uma moradia segura se soma à falta de infraestrutura urbana adequada, dificultando o exercício pleno do direito à cidade e, consequentemente, da cidadania.
Políticas públicas e envelhecimento: uma combinação invisibilizada
Dos mais de 1,5 milhão de brasileiros afetados por despejos e remoções forçadas, segundo o último levantamento da Campanha Despejo Zero, cerca de 260 mil são pessoas idosas. No entanto, as políticas públicas de habitação raramente consideram essa realidade com a atenção que ela exige. Muitos idosos vivem em moradias precárias, sem adaptações mínimas de acessibilidade, como barras de apoio, pisos antiderrapantes e banheiros adaptados. Além disso, muitos residem em áreas de risco de enchentes, deslizamentos ou violência urbana.
Existem, sim, iniciativas voltadas para esse público, como o Programa Vida Longa, do governo de São Paulo. O projeto oferece moradias assistidas gratuitas para pessoas idosas em situação de vulnerabilidade, com unidades construídas segundo critérios de acessibilidade e convivência comunitária. Apesar disso, ainda são ações pontuais e localizadas. A maioria dos programas habitacionais em escala nacional, como o Minha Casa Minha Vida, prioriza famílias com filhos menores de idade. Idosos que vivem sozinhos ou em duplas acabam ficando de fora das prioridades, mesmo enfrentando riscos concretos de saúde e segurança.
A autonomia que deveria ser fortalecida nessa fase da vida é frequentemente substituída por dependência ou exclusão.
Mobilidade urbana: um desafio esquecido
Mesmo quando possuem moradia, muitos idosos enfrentam dificuldades para acessar a cidade. Ruas esburacadas, ausência de calçadas adequadas, falta de iluminação pública e transporte coletivo irregular tornam o deslocamento perigoso e desestimulante.
Nos bairros periféricos, onde grande parte da população idosa vive, a situação é ainda mais grave. A escassez de transporte público regular isola os moradores e dificulta o acesso a serviços essenciais como postos de saúde, mercados e centros de convivência. Na prática, o direito à cidade, previsto no Estatuto da Cidade, permanece distante da realidade.
Exemplos internacionais: o que podemos aprender
Enquanto no Brasil o envelhecimento populacional ainda é tratado de forma fragmentada, outros países já desenvolveram políticas específicas para garantir o direito à moradia e à cidade para idosos.
No Japão, programas de moradia pensam a autonomia dos idosos dentro de comunidades integradas, próximas a hospitais, áreas de lazer e transporte público. Já na Espanha, o modelo de cohousing sênior propõe residências adaptadas, com áreas compartilhadas que oferecem apoio comunitário e serviços de saúde. Esses exemplos mostram que é possível transformar o envelhecimento em uma oportunidade para construir cidades mais inclusivas.
Velhice é também um direito à dignidade
Garantir o direito à moradia digna para idosos significa muito mais do que oferecer um teto. É assegurar que essa população viva com segurança, saúde, autonomia e participação ativa na vida urbana. Significa repensar o desenho das cidades, melhorar o transporte público e rever as prioridades dos programas habitacionais.
Em um país que envelhece rapidamente, excluir os idosos do direito à cidade não é apenas injusto, mas também insustentável. Investir em políticas públicas que integrem moradia e mobilidade urbana para essa parcela da população é urgente. Envelhecer com dignidade não pode ser privilégio. Precisa ser um direito garantido para todas as pessoas.
Se quiser se aprofundar neste tema, o Nexo Jornal publicou um artigo de Raquel Ludermir, Gerente de Incidência Política da Habitat Brasil, que discute o lugar dos idosos na fila da moradia digna, apontando como o envelhecimento é tratado com pouca prioridade em políticas habitacionais brasileiras.
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